segunda-feira, abril 21, 2014

[croniquinha de segunda]

Símbolo do desejo

Álvaro Marcos Teles

Levantou-se e foi ao toalete. Deixou o copo de cerveja pela metade. Na volta, surpreendeu o companheiro: com a mão direita sobre o ombro dele, apoiou o corpo. Inclinou-se e, com a esquerda, pôs algo no bolso da calça do rapaz. Sorriu, permeando o mistério. Pegou um Lucky Strike da embalagem bege e azul. Duas, três tragadas. Só fumava quando o grau etílico ultrapassava o limite do tolerável.

Preferiu ficar no bar, mesmo após a conta paga. Puxou a cadeira em outra mesa após despedir-se com beijinhos no rosto. Já em casa, pouco mais de três horas depois, recebeu uma mensagem: “Sua calcinha é linda”. Riu, lembrando da pequena peça azul, rendada e ligeiramente desconfortável – embora extremamente sexy. Não pediu de volta, não sugeriu nada. Apenas imaginou, em silêncio, vesti-la de novo pelas mãos alheias.

No dia seguinte experimentou a ousadia de propor um encontro íntimo, a dois. Tinha de ser especial, com direito a prévias. Compromissos familiares atrapalharam. Ficou a insinuação e o forte tesão de ambas as partes. Já trocaram muitos beijos e até carícias ardentes. Faltava a transa. Os dois pensaram e repensaram muitas vezes como seria. O objeto quase fálico permaneceu, intacto, na mochila dele.

Foi para cima e para baixo, em meio a intimidade de documentos, blocos de anotação, carregador de bateria de celular e uma garrafinha térmica de meio litro. Viajou algumas vezes, visto que uma das tarefas profissionais é exercida em outra cidade. Apesar de tudo, ninguém, além do “presenteado”, viu aquela insinuante, úmida e provocativa lingerie. Trocaram telefonemas, talks e bate-papos pelo Facebook nos dias seguintes.

Sempre uma conversa envolta pelo desejo mútuo, agora já representado materialmente falando. Numa ensolarada manhã de terça-feira, uma proposta surge despretensiosa: ver um filme de humor, já que achavam tanta graça da vida e tinham o que se pode chamar de “riso frouxo”. Na programação, talvez um choppinho e, finalmente, o aguardado momento da devolução. Assim o fizeram no sábado.

Se esbaldaram no cinema, beberam o suficiente para relaxar na praça de alimentação do mesmo shopping onde fica a sala de projeção, e rumaram para um motel próximo. Escolheram a simplicidade como cúmplice. Abriram o quarto, passaram pela salinha de jantar e se trancafiaram na suíte. Ele, calcinha no bolso da bermuda, espera pela companhia, que pediu para ir ao banheiro antes de começarem o que, provavelmente, não tinha hora para acabar.

Percebe o toque do celular deixado sobre o frigobar. Obedece, quando ouve: “pode atender para mim, por favor? Deve até ser engano, meu número é novo”.

Aperta o botão verde.
- Alô, é o Gustavo?

À indagação do outro lado da linha, responde:
- Não, não. Espera aí.

Tampa o telefone e grita:
- Amor, é para você mesmo.

Um comentário:

márcia barcelos disse...

ALVINHO , EU NEM PRECISO VER SEU NOME PARA SABER QUANDO AS CRÔNICAS SÃO SUAS , SEMPRE IRREVERENTES E BEM ESCRITAS E COM ESSE HUMOR DE ENTRELINHAS QUE MISTURA O SUSPENSE COM O ( QUASE OU QUIÇÁ ) REALIDADE . MUITO BOA , MENINO !!! SAUDADES . BJS. MÁRCIA BARCELOS.

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