quarta-feira, fevereiro 12, 2014

[crônicas urgentes]

Pronta para o prazer

Álvaro Marcos Teles

Um pequeno contratempo na calça jeans clara, recém adquirida, quase fez Lourdes perder a hora. Mesmo com a temperatura relativamente baixa, o jeito foi apelar para o vestido justo floral, palmo e meio acima dos joelhos, zíper nas costas. Mal deu para se ajeitar, borrifar uma "misturinha mágica" no cabelo, passar glitter azul e preto no entorno dos olhos, pôr a apertada sandália bege, pendurar a bolsinha preta e partir. Chegou esbaforida no ponto, ainda a tempo de ser uma das últimas passageiras a embarcar no ônibus.

Não ligou para os olhares atravessados de toda ordem. As mulheres mais velhas a fuzilavam, misto de decoro e inveja. Os rapazes, era visível, imaginavam despi-la. Até o trocador e, depois, o motorista, apreciaram partes das coxas e, principalmente, sua exuberante bunda. Os quarenta minutos dentro do coletivo pareciam uma eternidade. Por volta das oito da noite Rogério a esperava no lugar marcado, espécie de refúgio dos dois: um quiosque encravado numa ruela entre duas das avenidas mais movimentadas da cidade.

O avistou logo na esquina, onde crianças se divertiam com brinquedos de madeira. Para ela, fogosa, encontrar o amante também era uma espécie de playground. Ignorava até que achassem errado deixar a filha de quatro anos com a mãe, uma evangélica que perdia os cultos noturnos das terças-feiras toda vez que tomava conta da criança. Pecado, no dicionário de Lourdes, era sinônimo de não encontrar o macho. Sorridente, se aproximou. E com o rebolado característico, de entortar qualquer pescoço masculino que cruzasse o caminho.

Ele estava como de costume: traje social, cheiroso e já degustando uma cerveja. Rogério cortejava até a si mesmo, parecia. Levantou, puxou a cadeira, como à moda antiga, a viu sentar e, então, chamou o garçom. Pediu só um copo, mostrando o dele. Ela não perdeu tempo e tascou um beijo que molhou a área compreendida entre a bochecha e o pescoço do rapaz. Virou-se e, ato contínuo, pôs as enormes unhas pintadas de vinho sobre a coxa dele. Era o sinal insinuante, a provocação, o exibicionismo gratuito, o fogo ardente.

Alguns cães trançaram as mesas em busca dos restos de comida no chão. Uma cachorra, prenha, branca e marrom, chamou a atenção. Frágil e obstinada, ao mesmo tempo. Lourdes se identificou. Literalmente. Pensou ser, ali, naquele instante, também uma cadela, só que no cio. Rogério cumprimentou um casal conhecido. O cara, gordinho bonachão, descobriu a tatuagem dela no tornozelo. A mulher, simpática e educada, adotou maior discrição. Lourdes, em chamas, já roçava o joelho, já mordia o lábio internamente, como os que muito desejam.

Poucas palavras, algumas ao pé do ouvido, bastaram. Veio a conta, e uma sensação de que, naquela noite, algo poderia ser diferente. Claro que a companhia de Rogério era puro deleite. Só que novembro, pertinho do verão, pedia um ineditismo. Ela ficou sem jeito. Afinal, já haviam experimentado de quase tudo. O quase fica para práticas sadomasoquistas, vontade de Rogério, escorregões sempre milimetricamente calculados dela. Embebedou-se de coragem, respirou fundo, suspendeu as sobrancelhas, e tascou o pedido: "Amor, me leva no China In Box?".

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