segunda-feira, novembro 11, 2013

[croniquinha de segunda]

Transfiguração

Álvaro Marcos

Saí do salão. Fiz estrago capital: o ruivo tomou o lugar do preto na cobertura do cérebro. Não sei se emburreci, como dizem acontecer com as louras. Só pela atitude, bem, talvez sim. Pior que a troca de cor foi inventar uma franjinha para os fios lisos conquistados há pouco. Mantive aqueles óculos Dolce Gabbana, cravejados de algo que remete a diamantes na perna direita. Vesti uma blusa branca antes de sair de casa. Pus, também, a minissaia verde colante que guardava há um tempão por falta de coragem.

Agora estou num botequim beira de estrada, na frente do condomínio dele. Meus amigos vão dizer que pareço uma prostituta. Neste momento sou mesmo, de corpo e copo. Vingativa, já flertei com um cara magro, cara de cachaceiro. Percebi um sorrisinho sacana, canto de boca. O suficiente para melhorar minha combalida autoestima. Fui ao banheiro das mulheres só porque não tinha ninguém no masculino. Contemplo o fim de tarde relativamente bêbada e excitada. E ele ainda não chegou. Não sabe o que o espera nesta agradável primavera.

Vejo três guris malandros, prontos para dar o bote no primeiro gay de meia idade que aparecer. Ah, sobre minha indumentária, esqueci de citar um item importantíssimo pelo simbolismo: tenho três laços nas sandálias; um verde, da cor do calçado; outro vermelho; e o último azul. No meio, uma espécie de meio anel dourado. Sempre que olho para os pés me lembro dos três casamentos. E foram assim: cumulativos, entrelaçados, unidos e findos. Só têm prosseguimento dentro de mim, e por vezes dói.

Ouço Whitesnake. Acho que quase ninguém conhece, exceto pela propaganda Hollywood, meado dos anos 80. "Love Ain't No Stranger" foi um sucesso, como era o próprio cigarro. Logo depois, o MP4, tocou "I want it all", do Queen. Essa, repeti quatro vezes. Provavelmente foi o tempo e a quantidade suficientes para me sentir uma própria rainha, como o Freddie Mercury. "We are the champions, we are the champions, we are the champions", soprei baixinho, enquanto socava a mesa.

Percebi, pelo tremor da mão direita, o efeito das cinco Antarcticas no estômago vazio. O garçom de boné bege desbotado eu conheço. Cumpriu pena junto com meu primeiro marido. Redson saiu da cadeia e pavimentou certa dignidade. Só que não pode ver mulher. É a chance de lançar o olhar conquistador, quase fatal. O mesmo jeito timidamente avassalador utilizado para entregar drogas aos fregueses de outrora. Acho que não me reconheceu de estalo. O semblante tinha um quê de interrogação.

Acabo de descobrir que ele não desembarcou, como previsto. A filha mais velha, uma gorda depressiva e mãe solteira, passou dentro de um táxi com o bebê no colo. Ainda não vai ser dessa vez! Fui lavar o rosto e na volta pedi a conta. Tentei passar o cartão, deu recusado. Nesse instante Redson, com a maquininha na mão, teve certeza de quem estava ali à frente dele. Não disse uma palavra, nem eu. Liguei para uma amiga sem família, solta na vida. Marcamos para o apartamento dela, em meia hora. Fui.

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